A viagem.
Há uns 8 anos perdi um grande amigo, foi na ocasião da passagem do furacão catarina então sempre associei a tempestade com esse acontecimento que me marcou muito. Ele era um jovem na sua terceira viagem com o caminhão do pai e se acidentou na bahia.
Na noite seguinte, tive um sonho lúcido que me impressionou e acordei na madrugada fazendo questão de registrar tudo que me lembrasse. Depois devo ter fantasiado alguma coisa, sem dúvida, porém a essência do sonho consegui colocar no texto.
Revirando escritos de gaveta encontrei o texto e achei legal publicá-lo:
Acordei de um sonho estranho
Deitado numa grama branca
Mais branca que qualquer filme branco que já vira.
Todas as coisas eram brancas ao extremo
Ao lado ia um asfalto branco
Tão branco que reluzia ao longe
Como vim parar aqui não sei
Olhando à distância havia algo com um pouco de cor
Quando fui chegando perto vi lindas maçãs caidas no asfalto
Eram vivamente vermelhas
Tão vermelhas que escorriam
Naquele cenário todo branco
Mais a frente destroçoes de um caminhão branco
Retorcido e destruido
Foi quando lembrei
Que devia terminar a viagem
Mas onde estava meu "cargo"?!
Como vim parar ali?!
Lembrei-me vagamente do posto
De onde havia parado e ligado para casa.
Minhas pernas estavam leves
Andei por horas sem me cansar
Aquele asfalto branco sumia de vista
E havia uma música bem baixa pelo ar
Eram como pássaros, canários
Mas com uma melodia mais leve
E muito mais longa
Não havia mais nada
Nem vento, nem céu
Tudo branco, extremamente branco
Tinha que achar meu caminhão
Mas que loucura
Esta parte da estrada eu conheço bem
Meus pés não andavam mais
Deslizavam sobre o asfalto branco
E sem dúvida essa era a entrada da minha cidade.
Ao longe, percebi lugares conhecidos
Viadutos, casas porém tudo branco
Entrei pela rua geral do meu bairro
E lá na frente algo ganhava cor
Sim, era bem colorido
Sem dúvida era real
Era a sorveteria de um grande amigo
Poderia parar ali antes de ir para casa
A porta estava aberta
E lhe chamei como sempre fazia
Ele veio, me olhou com uma expressão estranha
E parecia não ter me visto
As ruas e as casas à volta continuavam brancas
Mas meu amigo tinha cor
Era real
Então parecia não ser uma visão ou sonho
Ele fechou a porta e saiu
Pra onde iria?!
Por que não me via?!
Lhe chamei mas ele já ia longe
Mas eu sabia pra onde iria
A lanchonete que tinha videokê
Quantas músicas nós já haviamos cantado ali
Nesse momento estava ao seu lado
Ele cantava como nunca antes
Mas não sei como estava ali tão rápido
E ele cantava sem me perceber
Isso era muito estranho
Por que não me via?!
Tenho que ir para casa!
Imediatamente estava em frente ao portão!
Que sonho maluco!
É só pensar e vou para onde quero.
A casa estava vazia
Fui ao quarto da minha mãe
Mas ela dormia na minha cama
E parece que sonhava
Pois dormindo me chamava
Então eu disse: "Estou aqui. Já voltei!"
E ali na garagem estava meu carro
Mas onde deixei as chaves?!
Poderia ir a um baile
Era sábado à noite
Não me sentia cansado
Não sentia nada
A noite voou em segundos
A casa continuava vazia
E aquela musica no ar não parava
Então alguém se aproximou
E sentou ao meu lado
Que estranho, meu amigo que raras vezes tinha tempo de ir em casa
Estava ali mas não dizia nada
Estava triste, como nunca antes cira
Escrevia rápido num papel amassado
Pouco á pouco percebi outras pessoas ao meu lado
Meu tio, minhas primas e tias
E minha mãe ainda estava deitada
Não houvia vozes, só aquela música pelo ar
Vários rostos iam e vinham
Mas não encontrei meu pai
Nem meu irmão
Este já está sendo um sonho ruim
Preciso acordar!
Preciso chegar ao meu destino
Continuar a viagem.
Me sentia tão leve como se pudesse flutuar
Uma paz muito grande me envolvia
E aquela música continuava baixinha
Já era outro dia
Havia muitas pessoas na casa
Mas seus rostos passavam por mim como flashes
Por fim encontrei meu irmão
Pude ouvir sua voz
À contar que tinha sido assaltado
Estava muito machucado
Tentei lhe falar mas ele não ouviu
Onde estará meu pai?
Por que não o vejo?
As pessoas se aglomeraram no portão
Todas eram brancas
Transparentes
E outras eram normais. Reais.
Tenho que acordar!
Eles carregavam algo de um carro
Este objeto era real
Carregado por braços invisiveis
Foi posto bem no meio da sala
Era um caixão.
Alguém explicou que não podia ser aberto
Apenas um vidro sobre o rosto.
Quem estava ali?!
Era meu pai?!
Do quarto saia alguém
Ele começou a ganhar forma
Agora muitos amigos estavam ali
Estavam abatidos mas não os podia ouvir
E vi quem saia do quarto
Do meu quarto
Era meu pai.
Ele tinha uma foto na mão
Então que mestava no caixão?!
Algo frio tomou conta de mim
Uma mão gelada em meu coração
Meu pai chegou perto do caixão
E depositou devagar a foto.
Meus pés vacilaram
Senti um aperto no peito
Enquanto a música se tornou mais alta
Eu precisava olhar
A música me puxava
Sentia que podia flutuar
Ela ganhou tons de violinos e trombetas
Um feixe de luz se abriu no céu
Bem em cima do caixão
Estava flutuando rumo à luz
Já não era mais um sonho
Pude ver e ouvir todos os meus mais queridos amigos
Todos chorando
Então olhei para baixo
Direto na tampa de vidro
Vi quem estava no caixão
A música estrondou num clímax
Depois restou um murmurio baixo
A luz se tornou mais forte
Era um tubo perfeito
Tudo estava de novo branco
E não havia mais choro
Só a música baixa
E uma voz de anjo chamando
Me senti totalmente leve
E fui subindo lentamente
Muito devagar
Para dentro da luz.